Manobras Autoritárias na Primeira Internacional

MANOBRAS AUTORITÁRIAS NA 1ª INTERNACIONAL (*)

INTRODUÇÃO

     A Primeira Internacional é geralmente considerada como criação de Marx e como sendo ela que «pela primeira vez coloca a libertação do proletariado em termos científicos, formulando o princípio da tomada do poder pelo proletariado». De facto, não se pode negar a importância do papel de Marx na criação da Internacional. Foi ele quem redigiu os seus Estatutos e o Manifesto Inaugural. Contudo, estes dois documentos, principalmente os Estatutos, não se podem considerar "marxistas", pois tiveram que ser aceites pelos proudhonianos, pelos owenistas e pelos mazzinianos. O próprio Marx reconheceu este facto numa carta que escreveu a Engels: «Era muito difícil, na redacção, formular a nossa opinião de maneira a torná-la aceitável pelo ponto de vista actual do movimento operário. Levará tempo até que o despertar do movimento permita a antiga audácia de linguagem. É preciso ser "fortiter in re, suaviter in modo"» 1.
     Na realidade, a ideia da criação da Internacional estava latente e tinha mesmo sido expressamente afirmada, no seio dos oprimidos, muito antes das iniciativas tomadas por Marx nesse sentido. Flora Tristan afirmava, em 1843, na L'Union Ouvrière, que «a União Operária, agindo em nome da unidade universal, não deve fazer nenhuma distinção entre os operários e operárias de qualquer nação da Terra». Joseph Déjacque, Ernest Cœurderoy e outros subscreveram, em 1855, o programa da Associação Internacional. Marx não é mais do que um elemento, na verdade influente, do grupo que se reuniu em Londres, em 22 de Junho de 1863, num acto de solidariedade com a luta pela libertação da Polónia do jugo russo e que decidiu criar um «meio internacional de comunicação». Finalmente, em 28 de Setembro de 1864, no Saint Martin's Hall, foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores, sendo aprovado o seu projecto de organização, elaborado por Henri Tolain, Perrachon e Limousin.
     A Internacional foi criada por um conjunto de elementos heterogéneos, vindos de diferentes horizontes ideológicos, mas todos munidos de um mesmo espírito socialista. Operários na sua grande maioria, elaboraram no 1° congresso da A.I.T. um esboço duma teoria eminentemente colectivista e anti-estatal, que muito pouco deve a Marx. A maior parte dos militantes da Internacional, extremamente desconfiados dos teóricos burgueses que, do alto da cátedra, elaboram as suas teses, queriam construir a sua própria teoria, e, se se referiam a uma "autoridade", era a Proudhon que recorriam.
     De facto, Marx era um ilustre desconhecido para a maior parte dos aderentes à Internacional. Exilado em Londres e actuando preferencialmente nos bastidores 2, só era conhecido por alguns "fiéis", exilados como ele, e pelos alemães. Apesar de Marx ter tentado orientar o "movimento real" da classe operária, ao redigir os relatórios do Conselho Geral da A.I.T., estes estão longe de ser integralmente marxistas e são mal defendidos nos congressos, na maioria dos quais não participou pessoalmente.
     Marx, sem influência real no desenrolar dos acontecimentos e com a entrada de Bakunine na A.I.T., em 1869, começou a inquietar-se com o carácter do desenvolvimento que a Internacional estava a ter e iniciou o processo de dominação da Associação, que viria a culminar no congresso de Haia. No congresso de Basileia (1869) deu-se a primeira escaramuça entre as duas tendências da Internacional, a autoritária e a anti-autoritária, sobre o direito de herança. A proposta do Conselho Geral sobre este assunto foi derrotada, o que levou Eccarius a deixar escapar a reveladora frase: «Marx ficará muito descontente».
     Em 1870, no congresso da Federação da Suíça romanda, filiada na A.I.T., surgiu o conflito aberto entre as duas tendências dominantes e opostas no interior da Internacional: as secções locais dividiram-se, defendendo umas (a minoria) a acção política por parte dos trabalhadores e as outras uma acção anti-política, baseada em formas de organização e de luta ao nível económico e social. A partir de então, ir-se-ão evidenciar métodos de luta antagónicos e irreconciliáveis entre estas duas tendências, entre os federalistas por um lado e os marxistas e blanquistas por outro. Se tomarmos como significativas duas cartas, uma de Marx e outra de Bakunine, em que se referem um ao outro, facilmente constataremos que a luta de tendências que se irá passar na história imediata da 1ª Internacional deriva principalmente duma alternativa de métodos.
     Marx, em 27 de Julho de 1869, escrevia a Engels: «Este russo quer, evidentemente, tornar-se o ditador do movimento operário. Que tenha cuidado. Senão, será excomungado» 3.
     Por seu lado, escrevia Bakunine a Herzen: « (…) pode acontecer (…) que em breve eu seja obrigado a entrar em luta contra Marx, não por uma ofensa pessoal, mas por uma questão de princípio, em relação ao comunismo de Estado, do qual ele e a facção que dirige, inglesa e alemã, são partidários entusiastas. Pois bem, então, bater-nos-emos até à morte» 4.
     Destas afirmações ressalta claramente que Bakunine encarava as suas divergências com Marx como uma questão de princípios de que não abdicava e, como tal, para combater a tendência oposta, escolheu o debate de ideias e não ataques pessoais. Marx, pelo contrário (como pode ser verificado pelos documentos que apresentamos neste artigo), irá atacar pessoalmente Bakunine através de calúnias, intrigas e falcatruas, para assim combater os libertários, e nunca condescenderá em ter um debate aberto de ideias. Foi este o método escolhido por Marx para tentar transformar a Internacional num mero instrumento de aplicação prática e experimental das suas teorias. Mas a realidade da Internacional evoluiu numa outra perspectiva que não a sua. Por isso, e de acordo com a sua mentalidade autoritária, depois do congresso de Haia preferirá provocar a ruína da A.I.T. a aceitar sair vencido, como saiu.
     Ainda hoje, é frequente tomar-se a oposição pessoal entre Marx e Bakunine como a causa das divergências teóricas e práticas dos internacionalistas da Associação. Marx tudo fez para que a questão surgisse dessa maneira. No entanto, o conflito não era de personalidades, mas sim entre duas formas diferentes e irreconciliáveis de querer a Revolução Social:
     – por um lado, havia a vontade de libertação de indivíduos, que, sentindo-se oprimidos e explorados, a pensavam e viviam na prática quotidiana, associando-se e organizando-se livremente para se libertarem de todos os jugos;
     – por outro lado, a mania centralizadora, a vontade de dominação desse movimento auto-libertador por parte de "iluminados" que se acreditavam predestinados, graças à sua "ciência" irrefutável e segundo os seus métodos, a conduzi-lo a bom termo.
____________________

     Devido à extensão do tema e à grande quantidade de documentos que seria possível apresentar, incidiremos mais detalhadamente sobre o congresso de Haia, pois consideramo-lo o ponto culminante de toda a polémica travada no seio da A.I.T..
     Naturalmente, não pretendemos fazer nenhuma análise histórica, mas somente apresentar alguns documentos que, quanto a nós, caracterizam suficientemente as tendências em litígio e podem revelar aspectos da história da 1ª Internacional que têm sido intencionalmente iludidos.


PREPARATIVOS DO CONGRESSO DE HAIA

     Em Setembro de 1871 realizou-se, em Londres, uma conferência convocada pelo Conselho Geral da A.I.T.. Esta conferência foi considerada, pela maioria das secções e das federações, um abuso do Conselho Geral, pois, além da ausência de representatividade, as resoluções aí tomadas reflectiam bem que a conferência serviu principalmente para que o Conselho Geral se atribuísse novos e mais vastos poderes: direito de suspensão das secções, federações e conselhos federais, e a redacção de novos estatutos, permitindo a Marx e Engels aí introduzir o princípio da predominância da acção política, com a consequente organização do proletariado em partido político.
     A conferência de Londres apareceu, assim, como a primeira manobra declarada de Marx e Engels para transformar a Internacional num instrumento privado de aplicação das suas teorias. Este facto provocou imediatamente reacções por parte da maioria das federações, através da realização de congressos próprios, repudiando as resoluções tomadas em Londres. Tornava-se, enfim, evidente o conflito que já há muito se vinha delineando subterraneamente entre uma corrente autoritária e outra anti-autoritária.
     Pretendendo pôr termo às "pretensas cisões" no interior da Internacional, isto é, querendo dar o golpe de misericórdia nos seus adversários, Marx desde logo tentou estar em vantagem para a confrontação que ele sabia que se iria dar e que, inclusive, provocou. Em relação à escolha do local para a realização do congresso, propôs ao Conselho a cidade de Haia, aproveitando o facto da impossibilidade de seguir as decisões do anterior congresso (que escolhera a cidade de Paris), devido aos acontecimentos de 1871 e também devido às perseguições contra a Internacional, tanto em França como na Alemanha. Por seu lado, e querendo também favorecer Marx, Lafargue escrevia a Engels, aconselhando-o:

     « (...) É preciso que o próximo congresso seja em Inglaterra. Aí, os bakuninistas estarão derrotados mesmo antes de aparecerem. Podes tomar como pretexto as perseguições e a necessidade de entrar em contacto com as Trade Unions para as introduzir na Internacional. (...) Manchester seria preferível, os franceses são aí menos numerosos.» 5

     Será a proposta de Marx a aceite, em 11 de Julho de 1871, pelo Conselho Geral, ficando marcado o congresso para a Holanda, na primeira semana de Setembro.
     Marx não tinha proposto a cidade de Haia sem uma razão específica. É que a realização do congresso na Holanda implicava para as secções meridionais um excessivo custo das viagens dos seus delegados, o que provocaria a ausência de muitos deles, por falta de possibilidades monetárias. Também Bakunine, proscrito em França, na Alemanha e na Bélgica, se via impossibilitado de participar no congresso.
     A Federação do Jura, em desacordo com a escolha de Haia (precisamente pelos mesmos motivos pelos quais Marx a propusera), contrapôs a Suíça como o local mais indicado. O Conselho Geral argumentou que tinha sido da Suíça que partiram todas as discussões, não se devendo, portanto, aí realizar, uma vez que qualquer congresso sofre sempre a influência do local onde decorre.
     Na preparação do congresso, Marx visava principalmente a derrota completa dos libertários. Assim, queria dirigir os seus ataques contra Bakunine, pelo que se lançou a fundo numa recolha de documentos que o comprometessem, de algum modo, enquanto pessoa e revolucionário. Por seu lado, Engels encarregou-se da feitura de um dossier de acusação contra a Aliança para a Democracia Socialista.
     Marx começou por escrever a Danielson e Baranov, seus correspondentes em S. Petersburgo, pedindo informações sobre Bakunine. Baranov forneceu-lhe dados para ele desconhecidos, que o interessaram bastante:

     « (...) em 1869 iniciou-se, na Rússia, a tradução da sua obra (O Capital). O editor confiou a tradução a Bakunine, que lhe tinha pedido trabalho (...). Ele tinha prometido ter pronta uma grande parte do 1° volume no Outono do mesmo ano. No entanto, Bakunine não satisfez estas condições, arrastou o trabalho, e no fim de 1869 ou começos de 1870 o agente do editor recebeu uma carta de Netchaev, o qual, em nome de um tal "bureau", o proibia de reclamar a tradução a Bakunine e lhe exigia que deixasse de o ameaçar a respeito do adiantamento já recebido de 300 rublos de prata. O agente escreveu a Bakunine uma carta na qual o tornava responsável por esse estratagema, pensando que Netchaev nunca poderia ter dado, sem consentimento de Bakunine, uma tal ordem (...)» 6

     Na verdade, Netchaev tinha convencido Bakunine a abandonar a tradução de O Capital e a dedicar mais tempo ao trabalho ligado à causa revolucionária. Confiando em Netchaev, Bakunine condescendera em que ele tratasse de todos os assuntos com o editor. Foi então que Netchaev escreveu a referida carta, em nome dum comité inexistente. Bakunine só soube da atitude de Netchaev mais tarde, reconhecendo ter sido vergonhosamente enganado. Escreveu então a Netchaev a dizer-lhe que só permaneceria seu associado se deixasse «de usar métodos policiais e jesuíticos», acrescentando:

     «1– Você pôr-me-á fora de causa e desculpar-me-á inteiramente no que refere ao caso Lioubavine 7. Para este efeito, escreverá uma carta a Ogarev, a Tata, a Oserov e a S. Serehennikov, de acordo com a verdade, que eu não sei nada sobre a carta do tal comité e que ela foi escrita sem meu conhecimento e contra a minha vontade.
     2– (...) você tem a minha resposta a Lioubavine e a guia dos 300 rublos aí incluída (...) e tendo ficado com ela para a expedir, você o fez ou não. (...)» 8

     Vê-se, assim, que Bakunine pretendia justificar-se perante Lioubavine quanto à paternidade da carta e quanto ao adiantamento recebido. Este tinha sido entregue a Netchaev para que o devolvesse ao editor. Foi Netchaev quem ficou com o dinheiro.
     Depois de receber as informações de Baranov, Marx escreveu de novo a Danielson dizendo-lhe para entrar em contacto com o agente do editor para que este lhe enviasse a carta de Netchaev:

     « (…) Seria da maior utilidade para mim que essa carta me fosse imediatamente enviada. Como é um assunto simplesmente comercial 9 e como, no uso a dar à carta, não será nomeado qualquer nome, espero que me consiga essa carta (...)» 10

     Marx recebeu correspondência de Lioubavine, que enviava a carta pedida e que afirmava na sua carta:

     « (...) Quero dizer, para concluir, o que penso sobre a carta que recebi do tal "bureau" em 1870. Nessa época, a participação de Bakunine na redacção dessa carta pareceu-me evidente. Devo dizer que agora, quando repenso calmamente em toda essa história, vejo que a participação de Bakunine não está nada provada; a carta pode muito bem ter sido escrita por Netchaev sem que Bakunine estivesse ao corrente. A única coisa certa é que Bakunine deu provas duma total má vontade em continuar o trabalho começado, apesar do dinheiro recebido (...)» 11

     Foi com a carta de Netchaev que Marx inculpou Bakunine em Haia, ignorando as reservas de Lioubavine no que respeita à culpabilidade de Bakunine. Por seu lado, Engels preparava o dossier sobre a Aliança. Em 24 de Julho de 1872, escrevia ele ao Conselho Federal espanhol a seguinte carta:

     «Ao Conselho Federal da região espanhola, Valência
     Cidadãos,
     Temos nas nossas mãos provas da existência, no seio da Internacional, particularmente em Espanha, duma sociedade secreta que se chama Aliança da Democracia Socialista. Esta sociedade, cujo centro está na Suíça, tem por missão especial dar à nossa grande Associação uma direcção de acordo com as suas tendências particulares e conduzi-la para um fim que continua ignorado pela grande massa dos internacionais. Além disto, sabemos, pela La Razon, de Sevilha, que pelo menos três membros do vosso Conselho pertencem à Aliança.
     (...) Foi resolvido [pelo Conselho Geral] pôr fim a estas manobras ocultas, e, para este efeito, reclama-vos, para o memorando sobre a Aliança que deverá ser apresentado no congresso de Haia:
     1°– Uma lista de todos os membros da Aliança em Espanha, com a designação das funções que desempenham na Internacional;
     2°– Um inquérito, feito por vós, sobre o carácter e a acção da Aliança, assim como sobre a sua organização e as suas ramificações no interior de Espanha;
     3°– Um exemplar da vossa circular privada de 3 de Julho de 1872;
Por outro lado, reclama-vos ainda:
     4°– Uma explicação sobre a maneira como conciliais os vossos deveres para com a Internacional com a presença no vosso seio de, pelo menos, três membros notórios da Aliança da Democracia Socialista.
     A não ser que receba uma resposta categórica e satisfatória na volta do correio, o Conselho Geral ver-se-á na necessidade de vos denunciar publicamente, em Espanha e no estrangeiro, como tendo violado o espírito e a letra dos estatutos gerais e como tendo traído a Internacional no interesse duma sociedade secreta que não só lhe é estranha como hostil.
     Saúde e igualdade.
     Por ordem e em nome do Conselho Geral, o secretário para a Espanha,
     Frederico Engels»

     Um ano mais tarde, Engels reconheceu ter escrito esta carta para impedir que os candidatos da Aliança fossem eleitos para o congresso de Haia.
     Resposta do Conselho Federal espanhol:

     «Pediu-nos, na volta do correio, uma lista de todos os membros da Aliança em Espanha, com indicação das funções que desempenham na Internacional. Diversas razões nos impedem de satisfazer esta exigência e elas deveriam impedir-vos de nos dirigir semelhante pedido. A primeira é uma questão de dignidade: pede-nos nada menos do que um serviço igual ao que qualquer chefe de Estado poderia pedir ao departamento da polícia. Além disso, não possuímos as informações que exige, pela simples razão que o nosso Conselho Federal não é obrigado a conhecer o número e os nomes de todos aqueles que, estando filiados na nossa Associação, façam parte de outras sociedades, nem as funções que desempenham na nossa, funções que, se as desempenham, resultam da confiança que granjearam.»

     O Conselho Federal espanhol publicou o texto integral da carta de Engels e a resposta do Conselho Federal na Federación de 18 de Agosto de 1872, sublinhando que aquela carta tinha por objectivo «criar a confusão com o fim de tornar impossível o envio de delegados a Haia».
     Contudo, a Aliança espanhola, mesmo que nessa altura existisse, nada tinha a ver com Bakunine:
     «A existência da Aliança, organização exclusivamente espanhola, era-nos desconhecida.» 12
     «Como Bakunine é muito preguiçoso, o que se fez aqui, em Espanha, não tem nenhuma relação com o que se fazia em Genebra.» 13
     É inegável que Bakunine gostava de fazer projectos de organizações revolucionárias secretas. No entanto, eram projectos que, muitas vezes, não passavam do papel. Assim, escrevia a Becker, em 4 de Dezembro de 1869:

     « (...) Meu velho amigo, é absolutamente necessário apoiar a secção da Aliança de Genebra, nem que seja como um centro imaginário de propaganda e de acção para a Itália, Espanha e França meridional e também para a Suíça romanda.
     Sabes melhor do que eu que certas existências imaginárias são muito úteis e que é preciso não as desdenhar. Sabes que em toda a História há, para um quarto de realidade, pelo menos três quartos de imaginação, e que não é a parte imaginativa a que menos poderosamente tem agido sobre os homens.» 14

     Citemos ainda Max Nettlau a propósito dos estatutos secretos da Aliança:
     «Com o fim de fundar a Aliança Secreta foi preciso fazer sondagens manuscritas, esboços de projectos dos quais alguns, por um abuso de confiança ou por vários de tais abusos, caíram nas mãos de Marx, que os publicou em 1873. Estes permitiram a Marx formular acusações contra Bakunine no congresso de Haia (1872), acusações que serviram de base para a expulsão de Bakunine da Internacional. Conhecemos um grande número de projectos, de manuscritos e de deliberações colectivas, etc, datando dos primeiros meses de 1869, que provam que os documentos de 1868 não correspondiam a nenhuma realidade definitiva e que esta realidade, completa e definitiva, só tomou corpo em Setembro de 1872 15 e somente sob a forma de primeiros fragmentos. Resumindo: existiu primeiro a Fraternidade transformada em Aliança Secreta em Setembro de 1872; mas entre 1868 e 1872 não existiu Aliança Secreta enquanto organismo internacional e o requisitório 16 de Marx, Engels, Lafargue e Outine não foi mais do que uma maquinação desprovida de provas, um emaranhado de mentiras.» 17
     Por outro lado, as Federações italiana e jurassiana acompanharam a belga e a espanhola na sua posição contra o Conselho Geral:

     «Resolução da Conferência de Rimini, 4 de Agosto de 1872
     Considerando que a Conferência de Londres (de 18 de Setembro de 1871) tentou impor, pela sua resolução IX, a toda a Associação Internacional dos Trabalhadores, uma doutrina especial, autoritária, que, mais propriamente, é a do partido comunista alemão (...);
     Que o Conselho Geral usou os meios mais indignos, como a calúnia e a mistificação, com o único fim de reduzir toda a Associação Internacional à unidade da sua doutrina, o comunismo autoritário;
     Que o Conselho Geral caluniou, à medida das suas indignidades, com a circular privada datada de Londres, 5 de Março de 1872, na qual, continuando a sua obra de calúnia e de mistificação, revela toda a sua paixão pela autoridade (...);
     Que a reacção do Conselho Geral determinou a oposição revolucionária dos belgas, dos franceses, dos espanhóis, dos eslavos, dos italianos e duma parte dos suíços, e que se propôs a supressão do Conselho Geral e a revisão dos estatutos gerais;
     Que o Conselho Geral, não sem ter os seus motivos, convocou o congresso geral para Haia, o ponto mais afastado destes países revolucionários;
     Por estas razões:
     A Conferência declara solenemente, na presença dos trabalhadores do mundo inteiro, que, desde este momento, a Federação Italiana da A.I.T. rompe toda a solidariedade com o Conselho Geral de Londres, afirmando uma vez mais a solidariedade económica com todos os trabalhadores, e propõe a todas as secções que não partilham os princípios autoritários do Conselho Geral que enviem os seus delegados, em 2 de Setembro de 1872, não a Haia, mas a Neuchâtel, na Suíça, para aí inaugurarem o congresso geral anti-autoritário.» 18

     Em 18 de Agosto de 1872, a Federação do Jura realizou um congresso em Chaux-de-Fonds, para discutir a ordem do dia do congresso de Haia. Este congresso decidiu não aprovar a moção italiana e enviar uma delegação ao congresso de Haia, munida de mandato imperativo que determinava que os delegados deviam, em solidariedade com os italianos e espanhóis, retirar-se do congresso caso o princípio de autonomia não fosse aprovado.
     Conforme a decisão do congresso, o comité federal escreveu à Federação italiana para lhe anunciar que a Federação do Jura rejeitava o projecto de realização, em 2 de Setembro, dum contra-congresso em Neuchâtel, e para os instar a enviar os seus delegados a Haia. Andrea Costa, em nome da comissão de correspondência, respondeu na carta seguinte:

     «Caros companheiros:
     Com o fim de solenemente afirmar e manter a autonomia das secções da Internacional, a Federação italiana, reunida em conferência em Rimini, votou por acordo unânime uma resolução na qual, rompendo todas as ligações com o Conselho Geral, pedia a reunião de um congresso em Neuchâtel, na Suíça. Esta deliberação foi tão solene e os delegados que a aprovaram sentiam tão fortemente a sua necessidade, que não poderíamos agora, sem renegar os nossos sentimentos, revogá-la.
     Se não nos é possível ir com os nossos irmãos da Suíça e da Espanha ao próximo congresso de Haia, tomar parte na luta da revolução contra a autoridade, nós segui-los-emos com o coração e esperamos, ao mesmo tempo, que em breve nos possamos encontrar e apertar as mãos na Suíça, porque não cremos que as suas propostas sejam bem recebidas por aqueles que em Haia representam a Autoridade.
     Não é, pois, por vão orgulho, irmãos, que não revogamos a nossa decisão e não enviamos delegados a Haia, mas porque cremos que, se o fizéssemos, trairíamos a causa a que nos devotámos. Não é uma questão de pessoas que nos leva a agir, mas sim uma questão de princípios.
     Muitos factos provam que o Conselho Geral se julga revestido de autoridade; um dos mais importantes é a carta de ditador que Frederico Engels, em nome e por ordem desse Conselho, escreveu ao Conselho Federal da região espanhola, na qual os membros do Conselho Geral se atribuem o papel de agentes da polícia.
     O Conselho Geral, enfim, não é a Internacional; se rompemos com ele, afirmamos, por outro lado e uma vez mais, a nossa solidariedade económica com todos os trabalhadores do mundo. E iremos para a frente. Quando a Revolução encontra no seu caminho a Bastilha, basta uma explosão de cólera do povo para a destruir.
     Saúde e fraternidade.
     Pela Comissão de Correspondência,
     Andrea Costa
     Inda, 24 de Agosto de 1872» 19

     Portanto, contra as federações dissidentes (a espanhola e a do Jura – não contra a italiana, pois esta já tinha rompido com o Conselho Geral) irão ser utilizadas duas armas: documentos que comprometam Bakunine pessoalmente e documentos que ataquem a Aliança.
     Mas, para que as resoluções forjadas por Marx e Engels fossem aprovadas, seria preciso que estes assegurassem uma maioria no congresso, que não deixasse lugar para dúvidas. O modo de votação no congresso era o seguinte: cada delegado, quer representasse uma secção ou uma federação, quer possuísse um ou vários mandatos, tinha apenas direito a um único voto deliberativo. Assim, Marx recorreu ao estratagema de criar secções fantasma, ou, pelo menos, reduzidas ao mínimo necessário: os delegados, mesmo não lhes pertencendo, podiam ser mandatados por elas. É neste contexto que são significativas as cartas de Marx que transcrevemos a seguir.
     Em 12 de Junho de 1872, Marx escrevia a Sorge, para Nova Iorque 20:

     « (...) Trata-se, neste congresso, da vida ou da morte da Internacional. É preciso que você venha e, pelo menos, mais um ou dois outros. No que respeita às secções que não enviarem delegados, elas podem enviar mandatos (de delegados):
     Os alemães para Fr. Engels, Lochner, Karl Pfander, Lessner e para mim.
     Os franceses para G. Ranvier, Auguste Serrailler, Le Moussu, Ed. Vaillant, Fr. Cournet, Antoine Armand.
     Os irlandeses para McDonnell, que se tem portado muito bem, ou, se eles preferirem, para um dos alemães ou franceses acima citados (...)»

     É de salientar que todas estas pessoas citadas por Marx eram seus colegas do Conselho Geral, que, como ele próprio, não representando nenhuma secção, não poderiam ter voto deliberativo se não se fizessem mandatar por alguma secção.
     A 29 de Julho do mesmo ano, Marx escrevia ao seu amigo Kugelmann:

     «Caro Kugelmann,
     No congresso internacional (em Haia, abertura a 2 de Setembro) jogar-se-á a vida ou a morte da Internacional e, antes de me retirar, quero ao menos protegê-la contra os elementos de dissolução. A Alemanha deve ter, portanto, o maior número possível de representantes. Uma vez que sempre vens, escreve a Hepner a dizer-lhe que lhe peço para te arranjar um mandato de delegado.
     Teu K. Marx» 21

     Também Lafargue, genro de Marx, em missão na Península Ibérica para lutar contra a influência da Aliança, participava na caça aos mandatos. De Lisboa, escrevia a Engels:

     « (...) Há aqui uma carta do Papá Bakunine, que não li, onde ataca o Conselho Geral. Farei o possível para que ela lhe seja enviada para Londres. (...).
     De Portugal, não poderão enviar qualquer delegado, mas eu aconselhei-os a enviarem uma aprovação do plano de organização publicado por A Emancipação e a mandarem, ao mesmo tempo, um pedido de dissolução da Aliança, com expulsão de todos os seus membros, com a possibilidade de todos eles poderem ser reintegrados na Internacional, depois de terem feito uma declaração formal e pública contra a Aliança e depois de terem prometido nunca mais fazerem parte de nenhuma sociedade secreta. É a mesma proposta que A Emancipação vai fazer. Estou também a ver se lhes consigo meter uma outra ideia na cabeça, a de lhe enviarem a si os poderes para os representar no congresso, onde seria melhor que você figurasse como delegado de Portugal do que como membro do Conselho…» 22

     Em conclusão, os marxistas só conseguiram juntar um conjunto de "provas" que, como vimos, não são nada concludentes, e também fabricar uma "maioria" opondo-se a uma "minoria" de que Guillaume nos apresenta o seguinte quadro:
     «A maioria marxista era composta como se segue:
     16 membros do Conselho Geral: um deles, Dupont, só tinha como mandato a sua qualidade de membro deste conselho; 4, Le Moussu, Lessner, Mc Donnel e Wroblewski, representavam as secções francesa, alemã, irlandesa e polaca, constituídas em Londres (McDonnel tinha ainda um mandato de Dublin); 2, Arnaut e Cournet, tinham mandatos fantasistas de Carouge e Copenhaga; 3, Engels, Maltman Barry 23 e Marx, tinham por título três mandatos americanos trazidos por Sorge 24, tendo Marx e Engels, além desses, mandatos alemães emanados de secções inexistentes; enfim, 6, Frankel, Johannard, Longuet, Ranvier, Serrailler e Vaillant, estavam munidos de mandatos franceses "invisíveis" (Vaillant tinha, ainda, um mandato americano e um outro de Chaux-de-Fonds, que tinha renunciado a usar);
     6 delegados, dos quais 5 se abrigavam sob pseudónimos, que, como os seis membros do Conselho Geral referidos atrás, eram portadores de mandatos que diziam ser emanados de secções de França, não sendo possível qualquer controle: Dumont (Faillet), Lecain (?), Swarn (D'Entraygues), Vichard, Walter (Van Heddeghen) e Wilmot (?);
     9 delegados vindos da Alemanha e que, pelos termos da decisão do congresso de Basileia, não tinham direito de votar: Bernard Becker, Cuno, Dietzgen, Hepner, Kugelmann, Milke, Rittinghauzen, Scheu e Schuniacher;
     3 delegados com mandatos suíços: J. Ph. Becker, Duval e Friedlander (este último habitando Berlim);
     2 delegados vindos dos Estados Unidos: Dereure e Sorge;
     1 boémio, Heim; 1 dinamarquês, Pihl; 1 húngaro, Farkas; e o Sr. Paul Lafargue;
     Total, 40 homens.
     Este resultado era magro e, verdadeiramente, não estava em proporção com os esforços inauditos feitos por Marx e Engels para angariarem votantes. 40 homens, dos quais 16 membros do Conselho Geral! Retirai esses 16, que eram ao mesmo tempo juiz e parte interessada; retirai ainda os 6 franceses, com mandatos contestáveis, e os 9 alemães, que não deveriam ter podido votar; o que resta? Os 3 suíços (dos quais 2 eram alemães e o terceiro, Duval, francês), os 2 americanos (um deles alemão e o outro parisiense), o boémio, o dinamarquês, o húngaro e o Sr. Paul Lafargue, Pablo Farga, o "espanhol" encarregado de representar Madrid e Lisboa; no total, 9!
     Vejamos, de relance, o que era a "minoria":
     4 delegados nomeados, por escrutínio, por todas as secções da Federação espanhola e portadores de mandato imperativo: Alerini, Farga-Pellicier, Marselau e Morago;
     2 jurassianos nomeados pelo congresso da Federação do Jura e também portadores de mandato imperativo: James Guillaume e Adhémar Schwizguébel;
     7 belgas, representando diversas secções e federações: Brismée, Coenen (flamengo), Eberhard, Fluse, Herman, Spligard, Van den Abeele (flamengo);
     4 holandeses, representando o Conselho Federal holandês e diversas secções: Dave, Gerhard, Gilkens, VanderHout;
     5 delegados de secções inglesas: Eccarius, John Hales, Harcourt (de Melbourne, Austrália), Mottershead, Roach;
     1 francês representando a secção francesa de Bruxelas: Cyrillo;
     1 americano, Sauva, representando as secções 29 e 42 dos Estados Unidos.
     A estes 24 delegados, é necessário juntar Sexton, membro do Conselho Geral, que votou com a minoria, mas que não tinha, como Dupont, outro mandato senão a sua qualidade de membro desse Conselho. (A minoria contava com 5 membros do Conselho Geral, Eccarius, Hales, Mottershead, Max Roach e Sexton. Como eles não votavam a favor deste Conselho, mas contra ele, a sua qualidade de membros do Conselho Geral dava um significado ainda maior à sua presença nas fileiras da oposição.)
     Não conto nem West nem Joukovski, pois um foi rejeitado e o outro nunca apareceu.
     Se realmente quiséssemos ser os mais fortes numericamente, ter-nos-ia sido bastante fácil enviar mais alguns delegados da Bélgica e da Holanda; e também poderíamos ter mandatos de secções de França, que teríamos distribuído a alguns franceses simpatizantes com as nossas ideias, atraídos a Haia pelo congresso. A Federação italiana tinha nomeado 7 delegados que, a 15 de Setembro, se dirigiram à Suiça para participar no congresso internacional de Saint-Imier: se a Itália tivesse renunciado à sua abstenção, que nos parece ter sido um erro, e tivesse enviado os seus delegados a Haia, a minoria, já reforçada pelos delegados belgas, holandeses e franceses que pudéssemos ter reunido, ter-se-ia transformado em maioria. Mas desdenhamos o emprego desses meios: não era engrossando de algumas unidades o número dos seus votos que a minoria deveria procurar provar a legitimidade das suas reivindicações. Que a "minoria" contasse com mais ou menos votos, o certo é que era a única representante de federações regularmente constituídas, as federações vivas, a verdadeira Internacional; e o congresso de Haia, preparado para abafar o expressar da opinião destas federações, só podia ser, e foi de facto, um atentado contra a Internacional.» 25


O CONGRESSO DE HAIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

     No congresso de Haia, com o apoio da tal "maioria", Marx e Engels conseguiram fazer aprovar todas as suas pretensões. Assim, relativamente aos Estatutos da A.I.T., foi aprovado o artigo 7°A:

     «Na sua luta contra o poder colectivo das classes possidentes, o proletariado só pode agir como classe constituindo-se em partido político distinto e oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes burguesas.
     Esta constituição do proletariado em partido político é indispensável, para assegurar o triunfo da revolução social e o seu fim supremo: a abolição das classes.
     A união das forças operárias, já obtida pela luta económica, deve também servir de alavanca nas mãos desta classe, na sua luta contra o poder político dos exploradores.
     Como os senhores da terra e do capital se servem sempre dos seus privilégios políticos para defender e perpetuar os seus monopólios económicos e subjugar o trabalho, a conquista do poder político torna-se o grande dever do proletariado.» 26

     Relativamente ao aumento dos poderes do Conselho Geral, foram alterados os artigos 2 e 6, ficando o respectivo texto com a seguinte forma:

     «Art. 2 – O Conselho Geral é obrigado a executar as resoluções dos congressos e a garantir, em cada país, a estrita observação dos princípios, estatutos e regulamentos gerais da Internacional.
     Art. 6 – O Conselho Geral tem igualmente o direito de suspender ramos, secções, conselhos ou comités federais e federações da Internacional até ao próximo congresso. (...)» 27

     Bakunine e Guillaume foram expulsos por uma "maioria" de votos por pertencerem à Aliança e pela actividade por esta desenvolvida 28. Foi, ainda, resolvido transferir o Conselho Geral para Nova Iorque.
     A seguir ao congresso de Haia, as federações anti-autoritárias reuniram-se em congresso em Saint-Imier, em 15 de Setembro de 1872, para darem uma resposta enérgica à tal "maioria" vencedora em Haia, mostrando bem a sua posição relativamente às resoluções que lá tinham sido tomadas, e se organizarem para a continuação da luta emancipadora, com a criação de um pacto de solidariedade e de defesa mútua. Nesse congresso, foram aprovadas as seguintes resoluções:


1ª Resolução
Atitude das federações reunidas em congresso em Saint-Imier, face às resoluções do congresso de Haia e do Conselho Geral


     Considerando:
     Que a autonomia e a independência das federações e secções operárias são a primeira condição da emancipação dos trabalhadores;
     Que qualquer poder legislativo e regulamentador concedido aos congressos seria uma negação flagrante desta autonomia e desta liberdade:

     O Congresso nega, por princípio, que quaisquer congressos, quer gerais quer regionais, tenham direito legislativo, não lhes reconhecendo outra missão além daquela de confrontar as aspirações, as necessidades e as ideias do proletariado das diferentes localidades ou países, para que a sua harmonização e a sua unificação se realize, sempre que possível; mas nunca, em caso algum, a maioria de um congresso poderá impor as suas resoluções à minoria.

     Considerando, por outro lado:
     Que a instituição de um Conselho Geral dentro da Internacional é, pela sua própria natureza e fatalmente, levada a tornar-se uma violação permanente desta liberdade que deve ser a base fundamental da nossa grande Associação;
     Que os actos do Conselho Geral de Londres, agora dissolvido, durante estes três últimos anos, são a prova viva do vício inerente a esta instituição;
     Que, para aumentar o seu poder, de início muito reduzido, recorreu a intrigas, a mentiras, a calúnias das mais infames, para tentar sujar todos aqueles que ousaram combatê-lo;
     Que, para chegar à realização final dos seus objectivos, preparou de longa data o congresso de Haia, cuja maioria, artificialmente organizada, não teve, evidentemente, outro fim senão o de fazer triunfar na Internacional a dominação de um partido autoritário, e que, para atingir este fim, não hesitou em passar por cima de toda a decência e de toda a justiça;
     Que um tal congresso não pode ser expressão do proletariado dos países que aí se fizeram representar:

     O congresso dos delegados das Federações espanhola, italiana, do Jura, americana e francesa, reunido em Saint-Imier, declara repudiar absolutamente todas as resoluções do congresso de Haia, não reconhecendo de maneira nenhuma os poderes do novo Conselho Geral nomeado por ele; e, para salvaguardar as suas Federações contra as pretensões governamentais deste Conselho Geral, assim como para salvaguardar e fortificar ainda mais a unidade da Internacional, os delegados lançaram as bases dum projecto de solidariedade entre estas Federações.

2ª Resolução
Pacto de amizade, solidariedade e defesa mútua entre as federações livres


     Considerando:
     Que a grande unidade da Internacional é baseada, não numa organização artificial e sempre prejudicial de um poder centralizador qualquer, mas sim na identidade real dos interesses e das aspirações do proletariado de todos os países, por um lado, e, por outro, na federação espontânea e absolutamente livre das Federações e das Secções livres de todos os países;
     Que no seio da Internacional existe uma tendência, abertamente manifestada no congresso de Haia pelo partido autoritário do comunismo alemão, empenhada em substituir o livre desenvolvimento desta organização espontânea e livre do proletariado pela sua dominação e pelo poder dos seus chefes;
     Que a maioria do congresso de Haia sacrificou cinicamente todos os princípios da Internacional aos objectivos ambiciosos deste partido e dos seus chefes, e que o novo Conselho Geral, nomeado por ela e investido de poderes ainda maiores do que aqueles que tinha querido atribuir a si próprio através da conferência de Londres, ameaça destruir a unidade da Internacional com os seus atentados contra a liberdade:

     Os delegados das Federações espanhola, italiana, do Jura, francesa e americana, reunidos neste congresso, firmaram, em nome dessas Federações e Secções, e ressalvada a sua aceitação e confirmação definitivas, o Pacto de Amizade, Solidariedade e Defesa Mútua que se segue:
     1°– As Federações e Secções espanhola, italiana, do Jura, francesa, americana e todas aquelas que desejarem aderir a este pacto, terão entre elas uma comunicação e uma correspondência regular e directa totalmente independentes de qualquer controle governamental;
     2°– Sempre que uma destas Federações ou Secções seja alvo de ataques à sua liberdade, seja pela maioria dum congresso geral, seja pelo governo ou Conselho Geral criado por essa maioria, todas as outras Federações e Secções se proclamarão absolutamente solidárias com ela.

     Proclamam que o estabelecimento deste pacto tem por objectivo principal a salvaguarda da grande unidade da Internacional, que a ambição do partido autoritário pôs em perigo.

3ª Resolução
Natureza da Acção Política do Proletariado


     Considerando:
     Que querer impor ao proletariado uma linha de conduta ou um programa político uniforme, como única via que o possa conduzir à sua emancipação social, é uma pretensão tão absurda como reaccionária;
     Que ninguém tem o direito de privar as federações e as secções autónomas do direito incontestável de determinarem elas mesmas a linha de conduta política que julgarem a melhor, e que qualquer tentativa nesse sentido nos conduziria fatalmente ao mais revoltante dogmatismo;
     Que as aspirações do proletariado não podem ter outro objectivo senão o estabelecimento de uma organização e de uma federação económicas absolutamente livres, baseadas no trabalho e na igualdade de todos e absolutamente independentes de qualquer governo político, e que esta organização e esta federação não podem ser senão o resultado da acção espontânea do próprio proletariado, das corporações e das comunas autónomas.

     Considerando:
     Que qualquer organização política não pode ser mais do que a organização da dominação ao serviço de uma classe e em detrimento das massas, e que o proletariado, mesmo se quisesse apoderar-se do poder, tornar-se-ia ele próprio uma classe dominante e exploradora:

     O congresso reunido em Saint-Imier declara:
     1°– Que a destruição de qualquer poder político é o primeiro dever do proletariado;
     2°– Que qualquer organização dum poder político – ainda que, supostamente, provisório e revolucionário – para levar a cabo essa destruição, não pode ser mais do que um novo engano e seria tão perigosa para o proletariado como todos os governos existentes hoje em dia;
     3°– Que, repudiando qualquer compromisso em relação à realização da Revolução Social, os proletários de todos os países devem estabelecer, fora de toda a política burguesa, a solidariedade da acção revolucionária. 29

     No congresso de Saint-Imier, foi ainda aprovada uma 4ª resolução relativa à «organização da resistência do trabalho».

     Naturalmente, tão enérgicas tomadas de posição teriam que despertar reacções em Marx e nos seus partidários. Assim, Engels escreveu a Sorge, em 5 de Outubro de 1872 30:

     « (...) Quanto aos  belgas, não são de temer. Segundo cartas recentemente recebidas, já estão aterrorizados com a sua própria audácia e não sabem como descalçar a bota. Pelo contrário, as decisões dos jurassianos, tomadas por um congresso federal, declaram abertamente a rebelião e não podem ser silenciadas. Nós escrevemos imediatamente para Genebra, para conseguir o último Boletim Jurassiano e mandar-to-emos logo que chegue. É muito bom que estes senhores declarem a guerra abertamente, dando-nos assim um motivo suficiente para os pormos fora. Uma acção pronta e enérgica contra estes desordeiros, assim que vocês tenham entre mãos os documentos que servirão como provas, é, na nossa opinião, o mais indicado, e será, provavelmente, suficiente para romper o Sonderbund ameaçador.»

     Engels enganava-se redondamente a respeito dos "aterrorizados" belgas. Em fins de Dezembro de 1872, a Federação belga, em Bruxelas, repudiou as resoluções de Haia. Com efeito, o congresso de Saint-Imier provocou uma série de cisões afectando a maior parte das federações, que, nos seus próprios congressos, repudiaram vivamente todas as decisões do congresso de Haia 31. Em Outubro, 23 delegados de secções, reunidos em congresso, ligam-se à Federação do Jura. Em Dezembro, a Federação italiana reafirma a sua adesão às resoluções de Saint-Imier, assim como a espanhola, que, no congresso de Córdova, adere ao pacto de Saint-Imier. No mesmo mês, o comité federal inglês dividiu-se em dois e a Federação inglesa, no seu congresso de Londres, em Janeiro de 1873, desaprova o congresso de Haia e condena Marx pelas suas manobras subterrâneas, que visavam chamar a si as secções inglesas. Também em Janeiro, o congresso americano de Spring Street seguiu as pisadas dos anteriores. Por fim, em Fevereiro, a Federação holandesa, à excepção duma secção, adoptou as resoluções da "minoria" de Haia.
     Como reacção a esta catadupa de tomadas de posição, Marx e Engels agiram da única maneira que sabiam e podiam, ou seja, recorreram ao instrumento que tinham fabricado em Haia, o Conselho Geral.
     Ao tentarem utilizar os poderes do Conselho Geral, acentuaram cada vez mais as divisões existentes, não permitiram ao proletariado ser solidário no terreno que lhe é próprio, o social, e cavaram a tumba em que a Internacional viria a ser enterrada. Senão, vejamos duas cartas de Engels a Sorge:

     « (...) Seria conveniente que o Conselho Geral me encarregasse oficialmente para Inglaterra (...). Se me quiserem enviar um pleno poder para a Itália, vocês poderão ajuizar. Com a luta que lá reina e sendo as nossas gentes uma pequeníssima minoria, uma intervenção rápida é muito desejável. Eu mantenho a minha correspondência privada em dia, escrevo também para a Plebe, mas, sem plenos poderes, não posso agir sobre secções que, como a de Turim, parecem querer cair completamente e nem sequer fazem falar delas, como acontece frequentemente na Itália (...). Quanto a mim, é preciso que você envie a Serrailler um pleno poder para França. Este género de correspondência não deve ser mantido daqui [Inglaterra]; deve simplesmente obrigá-lo  a enviar-lhe um relatório por mês (...). Para a Alemanha, seria bom que Marx tivesse um pleno poder – em caso de necessidade, para fazer face aos Schweitzerianos.» 32

     «É absolutamente necessário que Serrailler tenha um pleno poder para a França, se não quisermos que tudo recomece a desagregar-se. Serrailler continua a sua correspondência com zelo e nós mandamos-lhe dinheiro para isso, mas ele não é senão um particular enquanto não tiver o pleno poder e os franceses querem decididamente, com toda a sua autonomia, ser dirigidos por um procurador do Conselho Geral.» 33
     Segundo Arthur Lehning, «para o "The World", de Nova Iorque, Karl Marx permanecia o dirigente da A.I.T. e o Conselho Geral um seu auxiliar, pois Marx pediu, numa circular dirigida às federações, secções, comités e membros da Associação na Alemanha, que lhe fosse enviada uma lista com os nomes e
moradas de todos os aderentes.» 34
     Naturalmente, o Conselho Geral deu, aos seus ex-membros de Londres, os plenos poderes reclamados. E a 5 de Janeiro de 1873, Engels foi nomeado representante provisório do Conselho Geral para a Itália.

     Dado ser extremamente elucidativo da perspectiva que Marx e Engels tinham quanto à forma de conduzirem as massas para a revolução, apresentamos alguns pontos do mandato que nomeia Engels representante do Conselho Geral para a Itália:

     «2– Ele zelará para que o movimento em Itália tenha um carácter operário;
     3– Em caso de urgência, decidirá provisoriamente as questões em disputa relativas à organização e à administração da nossa organização em Itália, salvo se houver um apelo ao Conselho Geral, do qual ele fará imediatamente o relatório respectivo;
     4– De igual modo, poderá suspender um membro ou uma organização qualquer em Itália, até à chegada da decisão do Conselho Geral, ao qual comunicará imediatamente as medidas tomadas e os documentos justificativos; mas não poderá suspender nenhum mandatário nomeado directamente pelo Conselho Geral, sem ter pedido e recebido as instruções especiais do Conselho Geral relativas a este assunto;
     5– Terá o direito de conceder mandatos temporários e provisórios a pessoas em Itália, cujos poderes não deverão nunca ultrapassar os dos mandatários nomeados directamente pelo Conselho Geral, e fica assente que todos os mandatos e poderes serão submetidos à aprovação final do Conselho Geral e que podem ser anulados e revogados a todo o instante;
     6– Assegurará a colecta regular das contribuições e a sua transmissão ao Conselho Geral; (...) 35

     Mandatos idênticos foram enviados a Serrailler, Larroque e Wroblewski (para a Polónia) 36.
     Para terminar, e como conclusão demonstrativa da actuação de Marx, de Engels e do Conselho Geral contra as federações "em rebelião", apresentamos duas cartas, uma de Engels e outra de Marx.
Carta de Engels a Sorge, a propósito dos "minoritários":

     « (...) Têm, portanto, agora: a) os jurassianos; b) os belgas; c) a antiga Federação espanhola; d) as secções inglesas da minoria, que se declaram em rebelião. Aqui, temos a opinião unânime de que não se trata dum caso de suspensão, mas sim de que o Conselho Geral deve simplesmente constatar que as ditas federações e secções declaram nulos e sem efeito os estatutos legais da Associação, colocando-se assim a si próprias fora da Internacional e cessando de fazer parte dela. Portanto, está fora de questão convocar uma conferência, que, no caso duma suspensão, poderia ser reclamada 37. Naturalmente, vocês não podem tomar tais medidas antes de terem os elementos oficiais. Nós arranjar-lhos-emos.» 38

     Carta de Marx a Bolt, de 12 de Fevereiro de 1873:

     «A meu ver, o Conselho Geral cometeu um grande erro ao suspender a Federação do Jura. Eles já saíram da Internacional, ao declararem que, para eles, congressos e estatutos não existem. Constituíram-se em centro duma conspiração para a criação duma contra-Internacional (...). Congressos do mesmo tipo realizaram-se em Córdova, Bruxelas e Londres, e os aliancistas da Itália terão, também, um congresso semelhante. Cada indivíduo e cada grupo tem o direito de sair da Internacional e, desde que tal aconteça, o Conselho Geral tem simplesmente que constatar oficialmente essa saída e não que suspender...
     Se o Conselho Geral não alterar o seu modo de proceder, qual será o resultado? Depois do Jura, suspenderá as federações secessionistas em Espanha, em Itália, na Bélgica e na Inglaterra; resultado: toda a escumalha reaparecerá no congresso de Genebra, onde paralisará qualquer trabalho sério, como fez em Haia, e o congresso geral estará de novo comprometido, para grande contentamento da burguesia. O resultado mais positivo do congresso de  Haia foi o de levar os elementos podres a excluírem-se a si próprios, isto é, a saírem. O modo de proceder do Conselho Geral ameaça reduzir a nada este resultado...
     Uma vez que o erro foi cometido em relação ao Jura, o melhor seria, talvez, ignorar completamente as outras (a menos que as nossas próprias federações 39 peçam o contrário) e esperar o congresso geral dos secessionistas, para declarar, então, no que respeita a todas as federações aí representadas, que saíram da Internacional, que se excluíram a si próprias e que devem ser consideradas, a partir de então, como sociedades que lhe são estranhas e mesmo hostis.» 40

                                         Paulo Ferreira

(artigo publicado, em Setembro/Outubro de 1977, na revista «Acção Directa»)  


*      *      *      *      *      *


ANEXOS


Resoluções do Congresso da Federação do Jura, realizado em Saint-Imier, em 15 de Setembro de 1872


1ª Resolução


     Considerando:
     Que os estatutos gerais da A.I.T. se opõem formalmente a que qualquer resolução de princípios, de natureza a violar a autonomia das secções e federações, possa ser tomada em qualquer congresso geral da Associação;
     Que os congressos gerais da Associação só são competentes em matéria de pura administração;
     Que a maioria do congresso de Haia, dadas as condições em que este congresso foi organizado pelos bons ofícios do Conselho Geral de Londres, cuja conduta deveria ter sido posta em causa e nem sequer foi examinada, é suficientemente duvidosa quanto a representar realmente a opinião das secções que compõem a totalidade da Associação;
     Atendendo a que, nestas circunstâncias, o congresso de Haia saiu das suas atribuições puramente administrativas e não legislativas:

     O congresso da Federação do Jura, realizado em Saint-Imier, em 15 de Setembro de 1872, não reconhece as resoluções tomadas no congresso de Haia, por serem injustas, inoportunas e fora das atribuições do congresso.
     Não reconhece, de maneira nenhuma, os poderes autoritários do Conselho Geral.
     Trabalhará imediatamente para o estabelecimento dum pacto federativo e livre entre todas as federações que para isso queiram contribuir. Afirma o grande princípio da solidariedade entre os trabalhadores de todos os países.

2ª Resolução

Considerando:
     Que o voto da maioria do congresso de Haia, quanto à expulsão da A.I.T. dos companheiros Miguel Bakunine e James Guillaume, atinge directamente a Federação do Jura;
     Que resulta, duma maneira evidente, das acusações levantadas contra Bakunine e Guillaume, que a sua expulsão é o resultado duma miserável e infame intriga de algumas personagens rancorosas;
     Que os companheiros Bakunine e Guillaume, tanto pela sua infatigável actividade socialista como pela sua honorabilidade pessoal, conquistaram a estima e a amizade dos aderentes à Federação do Jura:

     O congresso do Jura, realizado em Saint-Imier, em 15 de Setembro de 1872, protesta energicamente contra as resoluções da maioria do congresso de Haia, no que concerne a expulsão dos companheiros Bakunine e Guillaume.
     O congresso considera como seu dever afirmar bem alto que continua a reconhecer aos companheiros Bakunine e Guillaume a qualidade de membros da Internacional e de aderentes à Federação do Jura.


Resolução do Congresso Belga da A.I.T.

     O congresso belga da A.I.T., realizado em 25 e 26 de Dezembro de 1982, em Bruxelas, declara nulas e sem efeito as resoluções arrancadas por uma maioria fictícia no congresso de Haia, e não quer reconhecê-las, por serem arbitrárias, autoritárias e contrárias ao espírito de autonomia e aos princípios federalistas.
     Em consequência, procederá imediatamente à organização dum pacto federativo e autónomo entre todas as federações regionais que para isso queiram contribuir, e não reconhece, de maneira nenhuma, o novo Conselho Geral de Nova Iorque, que nos foi imposto no congresso de Haia por uma maioria fictícia e com desprezo por todos os princípios inscritos nos estatutos gerais.


Resolução do Congresso da Federação Espanhola
Córdova, 25 de Dezembro de 1872 a 2 de Janeiro de 18
73

I

     Considerando:
     Que o congresso de Haia tem um vício de origem;
     Que esteve viciado quanto à sua constituição e às suas acções;
     Que as resoluções do congresso de Haia são prejudiciais e contrárias ao caminho que deve seguir o proletariado:

     O congresso da Federação espanhola repudia o congresso de Haia e não reconhece as suas resoluções autoritárias.

II

     Considerando:
     Que o pacto de amizade, de solidariedade e de defesa mútua, aprovado pelo congresso de Saint-Imier, será a salvaguarda da unidade da Internacional, ameaçada pelas resoluções do congresso de Haia;
     Que por este meio a solidariedade, primeira condição que deve existir na nossa Associação, não se quebra e se encontra salvaguardada dos ataques que se poderiam dar por parte dum Conselho Geral armado de poderes:

     O congresso da Federação espanhola declara-se conforme ao de Saint-Imier e adere ao Pacto de Amizade, Solidariedade e Defesa Mútua que aí foi votado.

III

     Tendo presentes os congressos de Haia e de Saint-Imier.
     Considerando:
     Que a má fé poderia interpretar os nossos actos como sacrificando a unidade espontânea e natural da Internacional;
     Que a reunião, daqui a três meses 41, dum congresso anti-autoritário ocasionaria despesas que nos impedem de, como desejaríamos, aí estarmos presentes;
     Que as declarações recentes da maioria das regiões permitem alimentar esperanças fundadas de que o congresso geral, que, segundo os estatutos, se reunirá em Setembro de 1873, restabelecerá a caminhada majestosa da Internacional, perturbada no congresso de Haia pelos procedimentos e pretensões de alguns ambiciosos;
     Que, enquanto for possível fazê-lo sem comprometer os interesses da Revolução Social a que aspiramos, devemos responder com palavras de paz e de concórdia àqueles que, sem considerarem o mal que fazem à emancipação social dos proletários, nos provocam para a guerra,
     O congresso da Federação espanhola faz as declarações seguintes:

     1ª– A Federação Regional Espanhola praticará a solidariedade, no interior e no exterior, com todas as outras federações, quaisquer que sejam as opiniões que as unam ou as separem, quer aceitem ou não o Conselho Geral de Nova Iorque, quer sejam reconhecidas ou suspensas por ele, porque, para nós, a Internacional existe, com ele e sem ele.
     2ª– Propõem às outras regiões que o congresso anti-autoritário se realize a seguir ao congresso geral, supondo que este último não se tenha pronunciado a favor da dignidade da Internacional, repudiando as resoluções do congresso de Haia.
     3ª– Participará as presentes resoluções a todas as federações regionais, a fim de que elas se preparem para ir ao congresso universal, dispostas a defender os princípios de liberdade e de federação, supondo que não virá a ser necessário reunir mais cedo o congresso anti-autoritário.


Resoluções do Congresso da Federação Inglesa
Londres, 26 de Janeiro de 1873


I

     Considerando:
     Que o congresso de Haia foi ilegalmente constituído, que a sua maioria era uma maioria fictícia, criada com o fim de aniquilar os verdadeiros representantes da Associação;
     Que as resoluções que foram votadas são subversivas em relação ao pacto fundamental da Associação, o qual reconhece a cada federação o direito de decidir sobre a sua linha de conduta;
     Que o programa deste congresso não foi anteriormente comunicado às secções, como prescrevem os estatutos gerais:

     O congresso da Federação inglesa repudia as resoluções tomadas no congresso de Haia e o seu representante, o pretenso Conselho Geral de Nova Iorque.

II

     O congresso declara que a Federação inglesa continuará a realização do programa social e político adoptado pelo congresso de Nottingham.

III

     A Federação inglesa estabelecerá relações com todas as federações pertencentes à Associação e cooperará com a maioria para realizar um congresso internacional logo que se julgue necessário.


Carta do Conselho Federal Holandês aos Companheiros do Conselho Geral da A.I.T.

     Companheiros,
     Não pudemos responder mais cedo à vossa carta de 5 de Janeiro, porque o resultado do voto sobre o princípio de autoridade, que teve lugar em todas as nossas secções, não era ainda conhecido.
     Tendo-se já as secções holandesas pronunciado sobre a questão do Conselho Geral, desse facto resulta que as secções de Amesterdão, Haia e Roterdão são pela minoria do congresso de Haia. Isto quer dizer que continuaremos a relação com o Conselho Geral e a pagar as quotizações; mas nunca alienaremos ao Conselho Geral o direito de suspender ou excluir qualquer secção ou federação. Por consequência, não aceitamos a suspensão da Federação do Jura, apesar de termos de admitir que o Conselho Geral (dadas as resoluções do congresso de Haia) não podia agir de outra forma.
     Só a secção de Utrecht aprova inteiramente as resoluções adoptadas pela maioria do congresso de Haia.

          Saúde e solidariedade.

                   Em nome do Conselho Federal Holandês,
                       O secretário para a correspondência, H. Gerhard

     Amesterdão, 14 de Fevereiro de 1873.