quarta-feira, 19 de março de 2014

A Comuna de Paris

                                   A COMUNA NÃO ESTÁ MORTA!
                                 (La Commune n’est pas morte!)
                                                                                                      
 A Comuna de Paris, proclamada a 18 de Março de 1871 pelo operariado e pelo povo de Paris, frente ao despotismo e corrupção  dos governantes, Napoleão III e Thiers,  conluiados com os então invasores prussianos e o seu chefe Bismarck, após o fim da guerra franco-prussiana de 1870, foi “mais do que a última revolução plebeia ou a primeira revolução proletária (…) uma experiência de auto-instituição, um acontecimento que possui autonomia, não apenas pela sua ousadia, mas pela suas singularidades (…), uma linha divisória dos tempos (…), um antes e um depois absolutamente antagónicos e aparentemente  irreconciliáveis” (extraído do livro “Negras tormentas –o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris” , de Alexandre Samis).
Muitos dos impulsionadores da Comuna (Varlin, Ferré, Duval, Denise…) eram elementos ativos da AIT-Associação Internacional dos Trabalhadores - entretanto extinta num congresso nos Estados Unidos em 1869 pela fação adepta  de Marx – mas que sempre tinha animado fortemente e de forma libertária a organização do proletariado francês.


Ao contrário das interpretações de Marx após a Comuna de Paris, muito vulgarizadas pela literatura marxista-leninista, a Comuna NÂO FOI a “ditadura do proletariado”, pelo menos no sentido que Marx lhe deu: nem havia nela uma UNICIDADE ideológica como acabou por se passar no desenvolvimento da  revolução russa de 1917  (as tendências existentes entre o operariado e o povo na Comuna eram várias e iam para além dos internacionalistas da AIT) nem se visava criar nenhum exército permanente nem nenhuma máquina estatal. A Comuna de  Paris era o POVO EM ARMAS , organizado de forma FEDERADA , com as suas assembleias escolhendo os diversos delegados para as diferentes tarefas mas REVOGÁVEIS A QUALQUER MOMENTO, não tendo nada a ver com o chamado “centralismo democrático” leninista, nem se buscava com a Comuna criar qualquer forma de estatização dos meios de produção (como se viria a passar nas várias experiências de “socialismo real” ou de capitalismo de Estado) mas sim a sua COLECTIVIZAÇÃO pelos trabalhadores e pelo  povo. O operariado parisiense e francês em geral, estava muito mais influenciado pelas ideias mutualistas de Proudhon e coletivistas de Bakunine do que pelo estatismo “socialista” defendido por Marx.

A Comuna de Paris mesmo que esmagada pela reação burguesa francesa e prussiana, continuou a ser um marco separador entre todas as ideias de “recuperação” do Estado, defendidas por todos os marxistas (à exceção de alguns ditos “conselhistas” – adeptos do sistema de Conselhos da revolução alemã de 1918 e do início da revolução russa) e a ideia anarquista da necessária DESTRUIÇÃO DO ESTADO como forma primeira de destruir o CAPITALISMO.



É interessante hoje, após os nítidos falhanços dos projetos marxistas de instauração do “socialismo” e do “comunismo” através da “conquista do poder” de Estado, para iniciar a destruição do capitalismo,  notar que este apenas saiu mais reforçado com a sua transformação em “capitalismo de Estado” combinado até, como na China ou na Coreia do Norte atuais, com diversas formas de grande capitalismo privado. Estes falhanços históricos, ainda que ainda hoje iludidos em muitos meios operários onde os diversos marxismos leninismos ainda gozam de alguma influência quase “religiosa”, foram  exatamente previstos pelo anarquista Miguel Bakunine, entre os anos 60 e 80 do século 19, há mais de 150 anos.

Sobre a Comuna de Paris,  os seus acontecimentos e o papel neles  de Marx e de Bakunine, poderemos dizer hoje que este último,  batendo-se nas tentativas de sublevação de apoio à Comuna em Lyon e em Marselha, deu o sangue do seu corpo enquanto Marx, ao tempo refugiado em Inglaterra  junto do seu amigo Engels, deu o sangue…da sua caneta!

A INFLUÊNCIA DA COMUNA EM PORTUGAL

Há aquele célebre episódio, em que  Pinheiro Chagas, jornalista e deputado monárquico, por volta de 1875, depois de ter escrito no seu jornal “Diário da Manhã” um artigo em que ridicularizava de forma baixa, a anarquista participante na Comuna, Louise Michelle, levou do anarquista Manuel Joaquim Pinto ,  além de uma resposta jornalística no jornal português da AIT “Revolução Social”, umas bengaladas à saída do parlamento…

De resto, a Comuna de Paris influenciou fortemente o desenvolvimento dos movimentos operário e anarquista em Portugal em fins do século 19 e inícios do século 20. Não é por acaso que uma das publicações mais importantes de então na divulgação das ideias anarquistas, sobretudo no Porto, antes e após a revolução republicana  de 1910, tem exatamente o título “A Comuna”.

Nos tempos de hoje, quando o Estado e o Capitalismo teimam mais uma vez em fazer-nos pagar o preço das suas “crises” com as várias austeridades e misérias, podemos e devemos ainda inspirarmo-nos no exemplo da Comuna para alimentar o nosso espírito de rebeldia e de revolta frente ao autoritarismo, prepotência e imbecilidade de governantes, políticos reformistas e burgueses em geral, porque afinal a ideia da Comuna NÃO ESTÁ MORTA!



“On a bien fusilé Varlin                                                 
 Flourens, Duval, Miliére                                             
Pierre Rigault, Tony Moilin                                           
Gavé le cemitiére                                                           
On lui croyait couper les bras /Et lui vider l’aorte…
TOUT ÇA N’EMPÊCHE PAS NICOLAS  LA COMMUNE N’EST PAS MORTE”…

Lá  fuzilaram Varlin/ Flourens, Duval, Miliére/ Pierre Rigault, Tony Moilin
Encheram o cemitério…
Creram ter-lhe cortado os braços/ E esvaído-lhe a aorta…
De nada lhes valeu , Nicolas – A COMMUNA NÃO ESTÁ MORTA!

Z.P
Porto, 18 de Março de 2014

BREVE  CRONOLOGIA
( ANO DE 1871)

26 de fevereiro : Assinatura das preliminares de paz com a Prússia.

1º de Março: Simbolicamente, as tropas prussianas entram em Paris e desfilam nos Champs – Elysées.

3 de Março: Constituição do Comité central da Guarda Nacional.

10 de Março: Pacto de Bordeaux, entre as diferentes partes do governo, suspendendo toda a decisão sobre a natureza do regime.

17 de Março: prisão do socialista revolucionário Louis Auguste Blanqui.

18 de Março : comuna de Paris (ventôse-prairial ano 79) : insurreição revolucionária com evidente protagonismo das mulheres.
Fracasso da tentativa de das tropas governamentais de apoderar-se dos canhões de Montmartre.

20 de Março: O governo e a Assembleia Nacional instalam-se em Versalhes.

23 de Março: Os vinte prefeitos dos distritos de Paris vão à Assembleia Nacional
Para tentar uma conciliação.

26 de Março: Eleições da Comuna de Paris.

28 de Março: Proclamação da Comuna de Paris na Prefeitura.

29 de Março: Louis Rossel, oficial do exército francês adere à Comuna.

14 de Abril: Nomeação de Louis Rossel ao cargo de Presidente da Corte Marcial.

30 de Abril: Nomeação de louis Rossel ao cargo de ministro delegado da guerra substituindo Cluseret.

10 de Maio: Pelo Tratado de Frankfurt, a França perde a Alsácia e uma parte da Lorena ; essa perda é sentida pela França como um profundo trauma. Além disso, a França deve pagar 5 bilhões de indeminização ( 4,9 são reunidos por uma subscrição nacional aberta em 27 de Junho).
Em consequência desse tratado, cerca de 160.000 alsacianos e lorenos, recusando-se a tornarem-se alemães deixam as provincías perdidas e instalam-se no território  francês.

14 de Maio: Criação do Território de Belfort a partir do antigo distrito de do Alto –Reno não anexado pelo Império alemão.

16 de Maio: Os comunalistas /repartidores /federados , põem abaixo a estátua de Napoleão na praça Vendôme.

18 de Maio: A Assembleia Nacional, reunida em Versalhes, ratifica o tratado de Frankfurt.

21 a 28 de Maio: “ Semana sangrenta “que verá Paris, até ali nas mãos dos comunalistas /repartidores/federados,retomada pelas tropas versalhesas.

27 de Maio : Queda do último bastião comunalista

28 de Maio: Execução dos defensores da Comuna de Paris diante do muro dos Federados. Fim da experiência de governo popular

Retirado da obra: “A Comuna de Paris : Uma Aventura Socialista” , de Alexandre Samis