sábado, 1 de março de 2014

A Bósnia é o nosso futuro (comunicado da Secção Sérvia da AIT)


A intensificação da revolta social nos Balcãs é uma das fracturas que se estão a verificar no sistema global capitalista. Há alguns anos atrás, começou na Grécia uma nova fase de conflito entre os trabalhadores e a classe dominante – revoltas em massa, protestos e greves gerais. A classe operária da Eslovénia foi a seguinte a sair às ruas. Seguiu-se o povo da Turquia , com protestos de mais de um milhão de manifestantes. Depois, os protestos dos trabalhadores da Bulgária e da Roménia ameaçaram os sistemas desses países. Mais recentemente, uma revolta explodiu na Bósnia Herzegovina, a área dos Balcãs em que as fracturas no sistema e a sua podridão são mais visíveis.

A actual  BósniaHerzegovina (BH) – o local onde se deu o capítulo mais sangrento na dissolução da Iugoslávia – é uma criação colonial monstruosa, formada de maneira a melhor servir os interesses das forças imperialistas e dos criminosos nacionalistas locais. Este Estado foi criado com o objectivo de servir os interesses dos ricos e a única coisa que o povo tem garantida é a contínua catástrofe – o despedimento de trabalhadores, de todas as nacionalidades, e o roubo dos seus bens. Durante anos eles estiveram cegos pelo nacionalismo alimentado pelos imperialistas, pelos capitalistas, e pelos clérigos de todos os credos, pelos magnatas, pelos seus meios de comunicação e pelos seus apaniguados. Não é surpresa que essas longas e escuras décadas de repressão tenham produzido esta resposta excepcionalmente feroz. Agora não resta qualquer dúvida de que as classes trabalhadoras da BH perceberam, mais uma vez, quem é que é o verdadeiro inimigo.

Protestos pacíficos contra o desemprego e a pobreza causados pelo roubo das privatizações em curso irromperam espontaneamente no dia 4 de Fevereiro. A cidade de Tuzla, um dos maiores centros industriais da ex-Jugoslávia, tem passado por um violento processo de privatizações na última década e as reivindicações dos manifestantes rinham um carácter meramente social. Os protestos cresceram e multiplicaram-se rapidamente e, devido à brutalidade da polícia e à indiferença arrogante do Governo, transformaram-se num confronto aberto, físico, com o actual sistema e com aqueles que o pretendem manter. Os trabalhadores – que se sentem enganados e roubados – e os jovens que enfrentam um futuro sombrio se esse processo não for travado, insurgiram-se em mais de 20 cidades. Enfrentaram a polícia, puseram fogo e incendiaram vários edifícios governamentais (símbolos da sua miséria) e chegaram a sequestrar temporariamente o presidente de Câmara de Brčko. Estas acções conseguiram pôr o sistema de joelhos, num curto espaço de tempo, e levaram à intervenção ameaçadora de terceiros. Valentin Inzko, diplomata austríaco/senhor colonial (ele ocupa o cargo de “representante especial da UE” para a BH) sugeriu publicamente que se utilizasse a NATO para fazer com que o país regressasse aos negócios, ou seja, para pôr o capitalismo a funcionar.

Estes protestos evoluíram de uma forma orgânica e nalgumas cidades levaram à criação de Assembleias (“Plenums”), estruturas autogestionadas de democracia directa e de tomada de decisões. Tal é o nível interesse por estas Assembleias que nenhum edifício público é suficientemente grande para acolhê-las, o que demonstra o carácter democrático e a abrangência libertária destes protestos.

Os media burgueses têm feito o seu melhor para ajudar os patrões, relatando histórias inventadas e falsificando ‘factos’, com a intenção de desacreditar os manifestantes e justificar a brutal repressão desencadeada sobre eles desde os primeiros dias de protesto. Um exemplo notável de uma mentira flagrante é o suposto armamento dos manifestantes que teriam a intenção de lançar um ataque à Republika Srpska , a outra entidade política no interior deste país , que é parcialmente independente da principal federação da BH . Muitos dos manifestantes foram agredidos ou ameaçados com violência; centenas foram presos. Parece que esses presos já foram libertados , devido à pressão contínua daqueles do lado de fora e às manifestações de solidariedade a pedirem a sua libertação. No entanto, a polícia continua a prender aqueles que ainda estão activos nas ruas e o Estado tem colocado toda a sua força a tentar esmagar a rebelião.

Os políticos da região estão em pânico. O primeiro-ministro da Croácia visitou a cidade de Mostar ( Mostar é na BH , mas tem uma grande população croata ), um dos lugares onde os protestos primeiro se espalharam. Milorad Dodik (o Presidente da Republika Srpska ) teve uma reunião urgente com Vučić ( o primeiro-ministro, de facto, da Sérvia). Todas as bocas proferem a mesma mensagem: dizem que não há perigo de protestos semelhantes começarem nos seus próprios países, mas se isso acontecer, serão esmagados, e que o melhor é silenciar qualquer notícia acerca do que está a acontecer noutros lugares. Os seus medos são evidentes e dizem-nos quão assustados estão, quão vulneráveis ​​são e quão frágil é a sua permanência no poder.

Durante os últimos meses, a BH tem sido mencionada frequentemente devido à discussão à volta do próximo centenário do início da Primeira Guerra Mundial. Muitas vezes, esses comentaristas têm algum tipo de perspectiva nacionalista e /ou imperialista. As classes trabalhadoras da Bósnia moderna tiveram êxito ao colocarem a sua própria marca nestas discussões e encontraram uma maneira original de comemorarem o aniversário do assassinato do governante feudal da Bósnia , Franz Ferdinand. Ao contrário de o fazerem através de actos de terror individual, responderam em massa fazendo frente à repressão destes dias, de uma forma que os ‘Jovens bósnios’ (*) só poderiam ter sonhado há um século atrás.

Agora que a primeira onda de protestos terminou é evidente que os sonhos e a esperança das massas rebeldes não foram tão bem enunciados quanto o poderiam ter sido se existisse alguma infra-estrutura organizacional ou movimento. As Assembleias são um bom primeiro passo. Seguramente vão ser evenenadas pelo remanescente das antigas ideologias , propostas soluções utópicas , como a de “políticos honestos”,  especialistas” ,  etc . No entanto, essas pequenas aberrações na consciência de classe não nos deve desmoralizar – fora das Assembleias é possível criar um movimento que alargue os princípios de democracia directa e da acção directa para todos os segmentos da sociedade. Isso poderia ajudar o movimento a alcançar com sucesso o objectivo de transferir o poder de decisão para as massas, criando as bases para uma melhor –  e mais livre – sociedade. O objectivo é que os trabalhadores tenham mais a dizer sobre todos os aspectos das suas vidas, com Assembleias em todos os sectores e tipo de local de trabalho , começando por aquelas que fornecem e mantém as infra-estruturas essenciais , tais como água, electricidade, telecomunicações , etc. Uma das primeiras tarefas dos revolucionários bósnios de hoje é criarem o tipo de organização necessária que possa assumir o controle das necessidades correntes e opor-se  - de forma disciplinada e bem planeada – às forças repressivas do Estado.

Este é um chamamento! Para as classes trabalhadoras da Sérvia e para o resto dos Balcãs seguirem o caminho que nos foi iluminado pelos trabalhadores da BH. Se, no futuro, quisermos criar uma sociedade sem classes , sem Estado, de democracia directa , genuinamente auto-gerida precisamos construir já os nossos movimentos. Se usarmos, agora, o tempo disponível seria possível construirmos um movimento da classe trabalhadora dos Balcãs, contra o nacionalismo , contra o imperialismo  e pelo futuro que todos nós temos interesse em partilhar, assente na propriedade colectiva e na liberdade para todos .

Iniciativa Anarco-Sindicalista (ASI)
Secção Sérvia da Associação Internacional dos Trabalhadores


(* )“Jovem Bósnia” foi um grupo de anti-imperialistas jugoslavos inspirado no anarquismo.

Desde que este comunicado foi publicado pela primeira vez (13 de Fevereiro de 2014) , as manifestações continuaram no BH . Tem havido também tentativas de invadir a sede do Governo no Montenegro. Houve confrontos na Macedónia entre a polícia e manifestantes influenciados pelos acontecimentos na BH . Houve manifestações de solidariedade com os trabalhadores da Bósnia, em Belgrado e Zagreb.